sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Ahn, o sotaque das mineiras

O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar.
Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar, sensual e lindo ficou de fora?
Porque, Deus, que sotaque!

Mineira devia nascer com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à saúde.
Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso?
Assino achando que ela me faz um favor.Eu sou suspeitíssimo.
Confesso: esse sotaque me desarma.

Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou por engano, só pelo sotaque.
Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem: pode parar, dizem: pó parar").
Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem - lingüisticamente falando - apenas de uais, trens e sôs.Digo-lhes que não.

Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade.
Fala que ele é bom de serviço.
Pouco importa que seja um juiz de direito ou um jogador de futebol.

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem.
Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: "cê tá boa?"
Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário.

Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada.
Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer:Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).
O verbo "mexer", para os mineiros, tem os mais amplos significados.
Quer dizer, por exemplo, trabalhar.Se lhe perguntarem com que você mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofício.

Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém consegue nada. Você não dá conta.Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz:Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não,sô.

Esse "aqui" é outro que só tem aqui.É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase.É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer, "olá, me escutem, por favor".
É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.

Mineiras não dizem "apaixonado por".Dizem, sabe-se lá por que, "paxonado com" Soa engraçado aos ouvidos forasteiros.Ouve-se a toda hora: "Ah, eu paxonei com ele...".Ou: "sou doida com ele" (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro).
Elas vivem apaixonadas "com" alguma coisa.

Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe. É um tal de "bonitim", "fechadim" , e por aí vai.
Já me acostumei a ouvir: "E aí, vão?". Traduzo: "E aí, vamos?".Não caia na besteira de esperar um "vamos" completo de uma mineira. Não ouvirá nunca.

Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal.
Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas.No supermercado, não faz muitas compras, ele compra "um tanto de côsa".
O supermercado não estará lotado, ele terá "um tanto de gente".Se a fila do caixa não anda, é porque está "agarrando" [aliás,"garrando"] lá na frente. Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!
Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará: Ai, gente, que dó. É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras.Não vem caçar confusão pro meu lado.
Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro "caça confusão".Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele "vive caçando confusão".

Capaz... Se você propõe algo e ela diz: capaz!!!Vocês já ouviram esse "capaz"? É lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer "cê acha que eu faço isso"? com algumas toneladas de ironia...Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: "Ô dó dôcê"Entendeu? Não? Deixa para lá.

É parecido com o "nem...". Já ouviu o "nem..."?Completo ele fica:- Ah, nem...O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito nenhum.Você diz: "Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?".Resposta: "Nem..." Ainda não entendeu? Uai, nem é nem.
Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?

A propósito, um mineiro não pergunta: "você não vai?".A pergunta, mineiramente falando, seria: "cê não anima de ir"?Tão simples. O resto do Brasil complica tudo.É, ué, cês dão umas volta pra falar os trem...Falando em "ei...".As mineiras falam assim, usando, curiosamente, o "ei" no lugar do "oi" .Você liga, e elas atendem lindamente: "eiiii!!!", com muitos pontos de exclamação, a depender da saudade...Tem tantos outros...O plural, então, é um problema.

Um lindo problema, mas um problema.Sou, não nego, suspeito.Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras.Aliás, deslizes nada.Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão.Se você, em conversa, falar: Ah, fui lá comprar umas coisas...Que' s côsa? - ela retrucará.O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que.
Ouvi de uma menina culta um "pelas metade", no lugar de "pela metade".E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará :Ele pôs a culpa "ni mim".A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios em Minas...

Ontem, uma senhora docemente me consolou: "prôcupa não, bobo!".E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras, nem se espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um: "não se preocupe", ou algo assim.

A fórmula mineira é sintética. E diz tudo.Até o "tchau" em Minas é personalizado.Ninguém diz tchau pura e simplesmente.Aqui se diz: "tchau procê", "tchau procês".
É útil deixar claro o destinatário do tchau.
Então...Beijos mineiros procê!!!

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